Livro de 1934 está entre as obras do autor de “Vidas Secas” e “Memórias do Cárcere”, falecido em 1953, e que a partir de agora são de domínio público e ganham novas edições
O escritor Graciliano Ramos é o autor de dois romances fundamentais para a compreensão do que é o Brasil, em especial o Nordeste, desde os poderosos senhores da terra até os desvalidos retirantes: São Bernardo (1934) e Vidas Secas (1938).
Natural de Quebrangulo, cidade do agreste de Alagoas, Graciliano foi comerciante, político, elegeu-se prefeito em Palmeira dos Índios, trabalhou como instrutor de educação, virou prisioneiro político nos anos 1930. E permanece como uma das maiores referências da literatura brasileira.
O Velho Graça, como era chamado no mundo da literatura, deixou uma obra que reúne mais duas novelas, Caetés e Angústia, livros de crônicas, de contos como Insônia, e sua memorialística no incontornável Infância e no clássico Memórias do Cárcere. Esse último foi publicado no ano de sua morte, há 70 anos. Isso, pela Lei 9610/98, significa que o conjunto da obra do escritor passa a ser de domínio público.
A obra, de acordo com a legislação brasileira, ao cair em domínio público, deixa de ser exclusividade do seu criador e passa a integrar o acervo de criações artísticas de toda a humanidade.
Isso animou as editoras devido às perspectivas de publicações de livros e coleções da obra de Graciliano Ramos com novas roupagens gráficas. E amplia a visibilidade de uma trajetória literária que se mantém viva pela qualidade e importância.
Serão reedições especiais e há previsão de publicação de alguns textos inéditos.
Doutor em Literatura Comparada pela USP e presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), o também escritor Ricardo Ramos Filho, e neto do autor de Vidas Secas, explica que as obras de Graciliano Ramos permanecem com a editora Record até 2029.
“Passaremos a doar 10% dos direitos ao Innocense Project Brasil, uma ONG que defende presos encarcerados injustamente. Bem dentro do espírito de Memórias do Cárcere”, revela.
Livro e filme marcantes
Narrado na primeira pessoa, São Bernardo foi escrito em 1934, na segunda etapa do modernismo, ano em que o escritor fez 42 anos.
O livro tem como personagem central um fazendeiro autoritário do sertão alagoano, Paulo Honório.
Ex-trabalhador explorado no campo, “um enjeitado” como descreveu o escritor Antonio Cândido, ele ascende socialmente e se transforma em um sujeito bruto e arrogante.
Em um trecho final Honório faz um inventário de suas amarguras e remorsos acumulados após uma vida de tiranias: “cinquenta anos perdidos, gastos sem objetivo, a maltratar-me e maltratar os outros”.
“Aqui está a chave de compreensão do romance: um personagem que busca ardentemente fazer com que tudo se encaixe como propriedade sua. E foi um processo crescente de bestialização. No início, era alguém pobre, guia de cego, filhos de pais desconhecidos e que foi criado pela preta Margarida. Aos poucos foi sendo dominado pela vontade de poder”, resume o professor e pesquisador em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), Faustino Teixeira.
Originalmente este romance era apenas um conto, que Graciliano não gostou. “Só aproveitei o personagem central, Paulo Honório, e o assunto. Nem reli o conto. Era uma droga”, justificou o escritor numa entrevista.
Quase 20 anos após a morte de Graciliano, o cineasta Leon Hirszman realizou o filme São Bernardo, em 1972, e teve que vencer a censura da ditadura militar para ver sua obra nas telas. Acabou sendo reconhecido internacionalmente. No elenco se destacaram nomes como Othon Bastos e Isabel Ribeiro.
A edição mais recente de São Bernardo é de 2019, pela Record.
A obra mais longeva de Graciliano, um dos livros mais cobiçados pelo mercado editorial neste primeiro ano de domínio público do acervo do autor, está entre as novidades do mercado editorial que vêm por aí, em novas e coloridas edições comentadas.
O neto do escritor, que está à frente de uma edição especial de São Bernardo como parte dos eventos de 2024, ressalta que o romance histórico segue dialogando, e muito, com o país contemporâneo, do boi e da bala.
“A atualidade da obra pede essa reedição. Os fazendeiros déspotas, senhores de escravos, ainda existem no Brasil”, repara Ricardo Ramos Filho.
Livros mais importantes de Graciliano Ramos
– publicados em vida ou póstumos
Romances:
Caetés (1933)
Caetés, edição especial 80 anos (2013)
Bernardo(1934)
Angústia (1936)
Angústia, edição especial 75 anos (2011)
Vidas Secas (1938)
Vidas Secas, edição especial 70 anos (2008)
Vidas Secas, em quadrinhos (2015)
Infância (1945)
Insônia (1947)
Memórias do Cárcere (1953)
Viagem (1954)
Linhas Tortas (1962)
Viventes das Alagoas (1962)
Garranchos (2012)
Cangaços (2014)
Conversas (2014)
Infanto-juvenis:
A Terra dos Meninos Pelados (1939)
Histórias de Alexandre (1944)
Alexandre e Outros Heróis (1962)
O Estribo de Prata (1984)
Minsk (2013)
Correspondência:
Cartas (1980)
Cartas de Amor a Heloísa (1992)
Coletâneas de contos:
Dois Dedos (1945)
Histórias Incompletas (1946)
Romance coletivo:
Brandão entre o Mar e o Amor (1942)
Traduções:
Memórias de um Negro (1940) de Booker T. Washington
A Peste (1950) de Albert Camus